As recentes manifestações de rua em grandes, médias e pequenas cidades do Brasil têm suscitado muitos comentários e análises nos nossos meios de comunicação. Análises, diga-se de passagem, em boa medida simplistas, quando não distorcidas.
“O Brasil é um país intenso e, quando você pensa que começou a entender, surpresas maiores aparecem”, escreveu a respeito das manifestações Miriam Leitão, uma das mais conhecidas jornalistas brasileiras, na sua coluna no jornal O Globo.
O aumento do preço dos bilhetes e títulos de transporte de autocarro em algumas cidades foi o detonador dos protestos levados a cabo por grupos minoritários e radicais, com origens nos Fóruns Sociais Mundiais, e ligados a partidos de extrema-esquerda. Sem apoio popular, esses protestos rapidamente degeneraram em actos de violência e confrontos com a polícia.
Com o início da Taça das Confederações deu-se uma inflexão nos protestos de rua. A Presidente Dilma Rousseff foi fortemente vaiada durante a cerimónia de abertura e a partir de então centenas de milhares de pessoas começaram a sair às ruas, nas principais cidades e capitais brasileiras, com uma agenda bem diversa da agenda dos promotores dos protestos iniciais.
Exigindo o fim da corrupção, a prisão dos membros do governo Lula já condenados pela Justiça, segurança e políticas de combate ao crime, a redução da maioridade penal e, nalguns casos, protestando contra o aborto, esses protestos revelaram um estado de indignação generalizada da população, mais especialmente da classe média, de tendência conservadora e totalmente avessa à agitação social.
Sentindo-se fortemente condicionada pela enorme onda de protestos que rapidamente se propagou pelas principais cidades e capitais do Brasil, a Presidente Dilma Rousseff acabou por reagir com o que foi qualificado por uma guinada à esquerda. Dilma abalou os meios políticos ao extravasar as suas prerrogativas e propor a realização de um plebiscito para a convocação de uma Constituinte específica, que consagrasse uma reforma política.
A manobra, muito semelhante às que foram levadas a cabo pelos governos sul-americanos seguidores do “chavismo”, foi prontamente repudiada pela sociedade, pela oposição e pelos principais constitucionalistas do País. Um Ministro do Supremo Tribunal Federal chegou a afirmar: “o Brasil dormiu como se fosse a Alemanha, Itália, Espanha, ou Portugal em termos de estabilidade institucional e amanheceu parecido com a Bolívia ou a Venezuela; não é razoável ficar flirtando com uma doutrina constitucional bolivariana”, acrescentou ele.
A presente instabilidade política no Brasil revela um descontentamento de amplas faixas da sociedade com o projecto de poder do PT, Partido dos Trabalhadores, iniciado com Lula da Silva e continuado pela sua sucessora no Palácio do Planalto, Dilma Roussef, e com os numerosos escândalos de corrupção e uma legislação de inspiração esquerdista, cada vez mais cerceadora do direito de propriedade, cada vez mais hostil à instituição familiar e, por isso mesmo, cada vez mais distante dos anseios da opinião pública brasileira.
Ninguém aposta ainda como irá terminará a actual comoção política no Brasil. Mas, como afirmou a colunista do Globo, Miriam Leitão, no Brasil “surpresas maiores aparecem”.
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