Nas últimas semanas, havia grande expectativa na sociedade portuguesa, sobretudo em certos sectores que se situam mais ao centro do espectro político, relativamente à promulgação, ou não, pelo Presidente da República da controversa lei do pseudo-casamento homossexual. Com efeito, alguns pontos dessa lei aprovada no Parlamento pela maioria de esquerda suscitavam dúvidas ao Chefe de Estado, tendo sido enviados ao Tribunal Constitucional para fiscalização prévia da sua constitucionalidade.
Após o anúncio da decisão, por uma maioria de juízes do Tribunal Constitucional, que reconhecia a constitucionalidade de todos os artigos submetidos a fiscalização, o Presidente da República tinha de decidir se vetava a referida lei, remetendo-a ao Parlamento para nova discussão e eventual aprovação ou se, ao contrário, a promulgava.
Foi certamente com espanto e até com incredulidade que, a grande maioria de pessoas que constituiu a base natural de apoio à candidatura do Prof. Cavaco Silva à Presidência da República em 2005, terá assistido atónita à inexplicável decisão do Chefe de Estado, ao anunciar na passada segunda-feira a todo o país, no horário nobre das televisões, a promulgação desta controversa lei.
A justificação dada por Cavaco Silva para a tomada de uma tal decisão, no comunicado de dia 17, é no mínimo, contestável e devia merecer um enérgico e cabal repúdio de todos os portugueses que se sentiram defraudados com as expectativas que tinham relativamente à posição de Cavaco Silva sobre este assunto.
A pretexto do grave momento que o país atravessa e do facto de poder estar-se a caminhar para uma situação explosiva, o Presidente argumentou: “Há momentos na vida de um País em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um”. O Presidente da República aduziu ainda o argumento de que, dado o contexto parlamentar em que o diploma foi aprovado, tudo leva a crer que, caso o mesmo fosse remetido ao Parlamento, seria de novo aprovado pelas mesmas forças políticas que o aprovaram no mês de Fevereiro e o Presidente teria obrigatoriamente de promulgá-lo num prazo de oito dias.
Ora, a meu ver este é um argumento totalmente desprovido de fundamentação lógica, uma vez que não é certo que o diploma voltasse a ser aprovado, visto no passado ter havido casos de diplomas vetados por Cavaco Silva que não voltaram a ser aprovados na Assembleia da República. Assim, a atitude mais natural do Presidente da República teria sido a de remeter o diploma à Assembleia da República, uma vez que é conhecida a sua discordância relativamente ao conteúdo e à forma atabalhoada como o mesmo foi aprovado.
Perante esta atitude do Presidente da República, à semelhança de atitudes idênticas que já tinha tomado aquando da promulgação de leis anteriores na área dos costumes como sejam a liberalização do aborto, as experiências com embriões, o divórcio a pedido e a educação sexual nas escolas, fica patente aos olhos de muitos portugueses que Cavaco Silva está a defraudar parte considerável do seu eleitorado natural que esperava dele medidas mais combativas e enérgicas face à promulgação deste tipo de legislação.
Queira o Chefe de Estado admiti-lo ou não, a verdade é que a imagem que passará dele para a opinião pública é a de alguém que, por razões eleitoralistas, ou por outras razões inexplicáveis, fica inevitavelmente associado a leis que vão gerar profundas transformações sociais e na estrutura da instituição familiar. Ou seja, a opinião pública e sobretudo o seu eleitorado natural, ficará com a ideia de que o Presidente da República, em termos políticos, ficou refém das decisões de uma minoria sectária e radical que está apostada em impor de forma antidemocrática a toda a sociedade portuguesa leis que visam destruir a instituição familiar tradicional.