Segundo relatos fidedignos, no ano de 1809, os exércitos napoleónicos ao entrarem por Chaves em direcção ao Porto, durante a 2ª Invasão, terão passado pelas terras do Couto. Reza a história que perante a ameaça de pilhagens, mortes e violações, as gentes do Couto de Dornelas terão saído às ruas com a imagem de S. Sebastião e implorado a sua protecção para que a sua terra fosse poupada aos abusos dos invasores. Segundo a promessa que então foi feita :“ Se os invasores não entrarem no Couto, faremos todos os anos, dia 20 de Janeiro, uma festa em tua honra onde não faltará comida a toda a gente que a ela vier…”
Pude testemunhar mais uma vez a vitalidade e a fé que impregnam esta festa tão genuinamente popular entre as gentes do Barroso.
Tinha-se a impressão de que as circunstâncias e acontecimentos que há mais de dois séculos deram origem à mesma estavam vivos e frescos na memória de todos os que ali se encontravam. Embora as pessoas com quem me cruzei estejam muito distantes no tempo das gentes que, em 1809, imploraram a protecção de S. Sebastião contra a ameaça do invasor revolucionário, senti-as muito próximas e vivamente identificadas, como se se tivessem conhecido. Ao constatar esse facto, apercebi-me da influência indiscutível e profunda da tradição.
Alguém pode perguntar-se a esta altura, se o elogio que faço a este facto não constitui um mero apego ao passado. Não creio!
Encontrei ali a transmissão, de geração em geração, de um património de valores, uma tradição católica cheia de vida. Aquele povo ali reunido renovava naquele momento o agradecimento à protecção celeste alcançada por S. Sebastião. Mas no desejo da renovação daquele acto encontrava-se igualmente a afirmação dos valores regionais, e do sentimento da independência e soberania.
Hoje constatam-se tendências e projectos políticos que desejam nivelar as autênticas e legítimas diferenças que existem nos povos e não nas massas. Primeiro padronizando dentro das nações todos os modos de ser, de sentir e de exprimir; depois diluindo as diferenças nacionais, de modo a construir artificialmente grandes unidades cosmopolitas.
O projecto europeu foi derivando de uma simples união aduaneira e económica para uma federação que se torna cada vez mais opressora das autênticas e legítimas liberdades populares, das genuínas manifestações dos seus ambientes e costumes, a ponto de há dias um eclesiástico russo ter comparado a União Europeia à extinta União Soviética.
Ontem ao regressar a Couto de Dornelas, e reviver toda essa manifestação autenticamente popular de uma tradição já multissecular, ocorreu-me que é estéril falar de um progresso para o nosso País sem ter em conta as suas tradições profundas. Ignorá-las seria ignorar o sentido do verdadeiro progresso.
O Papa Pio XII numa das suas Alocuções à Nobreza Romana teve palavras que bem sintetizam esta reflexão a propósito da tradição: "Etimologicamente o próprio vocábulo é sinónimo de caminho e de marcha para a frente – sinonímia e não identidade. Com efeito, enquanto o progresso indica somente o facto de caminhar para a frente, passo após passo, procurando com o olhar um incerto porvir, a tradição indica também um caminho para a frente, mas um caminho contínuo, que se desenvolve ao mesmo tempo tranquilo e vivaz, de acordo com as leis da vida. (...) Como indica o seu nome, a tradição é um dom que passa de geração em geração; é a tocha que, a cada revezamento, um corredor põe na mão do outro, e confia-lha sem que a corrida pare ou diminua de velocidade. Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia que, assim como a tradição sem o progresso se contradiria a si mesmo assim também o progresso sem a tradição seria um empreendimento temerário, um salto no escuro".
Sem comentários:
Enviar um comentário