21 de janeiro de 2010

A força da Tradição




Ontem, tive oportunidade de deslocar-me novamente até à aldeia de Couto de Dornelas no Barroso para participar da festa da Mesinha de S. Sebastião realizada quase ininterruptamente desde há precisamente dois séculos.

Segundo relatos fidedignos, no ano de 1809, os exércitos napoleónicos ao entrarem por Chaves em direcção ao Porto, durante a 2ª Invasão, terão passado pelas terras do Couto. Reza a história que perante a ameaça de pilhagens, mortes e violações, as gentes do Couto de Dornelas terão saído às ruas com a imagem de S. Sebastião e implorado a sua protecção para que a sua terra fosse poupada aos abusos dos invasores. Segundo a promessa que então foi feita :“ Se os invasores não entrarem no Couto, faremos todos os anos, dia 20 de Janeiro, uma festa em tua honra onde não faltará comida a toda a gente que a ela vier…”

Pude testemunhar mais uma vez a vitalidade e a fé que impregnam esta festa tão genuinamente popular entre as gentes do Barroso.

Tinha-se a impressão de que as circunstâncias e acontecimentos que há mais de dois séculos deram origem à mesma estavam vivos e frescos na memória de todos os que ali se encontravam. Embora as pessoas com quem me cruzei estejam muito distantes no tempo das gentes que, em 1809, imploraram a protecção de S. Sebastião contra a ameaça do invasor revolucionário, senti-as muito próximas e vivamente identificadas, como se se tivessem conhecido. Ao constatar esse facto, apercebi-me da influência indiscutível e profunda da tradição.

Alguém pode perguntar-se a esta altura, se o elogio que faço a este facto não constitui um mero apego ao passado. Não creio!

Encontrei ali a transmissão, de geração em geração, de um património de valores, uma tradição católica cheia de vida. Aquele povo ali reunido renovava naquele momento o agradecimento à protecção celeste alcançada por S. Sebastião. Mas no desejo da renovação daquele acto encontrava-se igualmente a afirmação dos valores regionais, e do sentimento da independência e soberania.

Hoje constatam-se tendências e projectos políticos que desejam nivelar as autênticas e legítimas diferenças que existem nos povos e não nas massas. Primeiro padronizando dentro das nações todos os modos de ser, de sentir e de exprimir; depois diluindo as diferenças nacionais, de modo a construir artificialmente grandes unidades cosmopolitas.

O projecto europeu foi derivando de uma simples união aduaneira e económica para uma federação que se torna cada vez mais opressora das autênticas e legítimas liberdades populares, das genuínas manifestações dos seus ambientes e costumes, a ponto de há dias um eclesiástico russo ter comparado a União Europeia à extinta União Soviética.

Ontem ao regressar a Couto de Dornelas, e reviver toda essa manifestação autenticamente popular de uma tradição já multissecular, ocorreu-me que é estéril falar de um progresso para o nosso País sem ter em conta as suas tradições profundas. Ignorá-las seria ignorar o sentido do verdadeiro progresso.

O Papa Pio XII numa das suas Alocuções à Nobreza Romana teve palavras que bem sintetizam esta reflexão a propósito da tradição: "Etimologicamente o próprio vocábulo é sinónimo de caminho e de marcha para a frente – sinonímia e não identidade. Com efeito, enquanto o progresso indica somente o facto de caminhar para a frente, passo após passo, procurando com o olhar um incerto porvir, a tradição indica também um caminho para a frente, mas um caminho contínuo, que se desenvolve ao mesmo tempo tranquilo e vivaz, de acordo com as leis da vida. (...) Como indica o seu nome, a tradição é um dom que passa de geração em geração; é a tocha que, a cada revezamento, um corredor põe na mão do outro, e confia-lha sem que a corrida pare ou diminua de velocidade. Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia que, assim como a tradição sem o progresso se contradiria a si mesmo assim também o progresso sem a tradição seria um empreendimento temerário, um salto no escuro".

Sem comentários:

Enviar um comentário